quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Creche Shangri-lá

A empresa onde trabalho, possui um programa de voluntariado entre seus empregados... chama-se Gentileza, fazendo menção ao falecido Profeta Gentileza. A empresa ajuda uma creche no subúrbio do Rio, e em datas especiais, os empregados são convidados a participar de visitas às crianças. Neste fim de ano, todos da empresa receberam um email convidando voluntários para a festinha de fim de ano da creche.
Sabe quando algo te toca? Uma voz que vem de dentro diz que você precisa mudar um caminho, uma maneira de ver avida? Assim foi a determinação de responder ao email que convidava para a visita à creche Shangri-la. Recebi o nome e idade da criança que eu deveria apadrinhar, saí no dia seguinte para escolher um presente e o embrulhei com carinho e esmero... pus meu nome e aguardei o grande dia para acompanhar à visita... fui num misto de ansiedade e impaciência. Logo que meu grupo chegou à creche, já dava para ouvir o burburinho ansioso dos pequenos. Os olhinhos cintilavam conforme íamos entrando; em poucos minutos, uma garotinha se aproximou e segurou a minha mão.... logo, logo, já estava sentada no chão, com três meninas – entre 2 e 4 anos – dividindo meu colo. Minhas pernas ficaram imobilizadas, depois, dormentes, mas não tive a menor intenção de tirar-lhes aquele pequeno aconchego. Minha presença ali, era de total doação, não tinha como preservar meu corpo... muito menos, a minha alma. Logo eu, que nunca fui dada a devoção pueril... mas depois de uma certa idade e algumas experiências de vida, fiquei mole... molinha e lindamente embasbacada interagindo com crianças.
Eu chorei... quando dei por mim, lágrimas rolavam em meu rosto. Doces lágrimas, um choro contido, cheio de emoção, aproveitando ao máximo a oportunidade de estar ali e compartilhar um pouco de alegria, tendo a nítida impressão que aquilo ali era certamente, o sentido do natal. Notei que um garotinho de uns 4 anos me olhava, parado em pé a minha frente... ele devia estar achando muito estranho, a tia que veio visitá-lo, ali, chorando, aparentemente sem um porquê, em vez de estar brincando com todos. Eu sorria, mas acho que ele ficou com medo... meus sentimentos mais intrínsecos, complicava o entendimento do menino. Saí um pouco da sala ( na verdade, já havia saído uns minutos antes ), e para minha surpresa, eu não era a única emocionada naquela visita; uma amiga de trabalho estava na mesma situação, e muito comovida me disse: “ah, é sempre assim, eu sempre choro, toda vez que venho aqui... não agüento! Dá vontade de levar pra casa, né?” É, Renata, compartilho do mesmo pensamento. Vamos botar os óculos escuros... vem, vamos voltar. E assim, voltei, com os olhos naufragados e um nó de duzentos quilos na garganta, mas com uma alegria transbordante no peito... Foi um privilégio para minha alma. Teve brincadeiras, musiquinhas de natal (que me remeteram à infância ), teatrinho e aí veio o momento mais esperado: a chegada do Papai Noel, com um saco gigantesco de presentes. O amigo Marcelo Carvalho, trajado como tal entrou na sala e as crianças super ansiosas, desejosas para ganhar seus presentes. As crianças eram chamadas uma a uma e nós as ajudávamos a abrir os embrulhos de presente. Então eu perguntei a uma menininha que esteve comigo boa parte do tempo:
- você quer que a tia te ajude a abrir a caixa para você pegar sua boneca? Ela balançou a cabeça negativamente... – Ah, já sei, você vai levar os presentes para deixar debaixo da sua árvore de natal para abrir depois? Então a menina finalmente falou, com aquela voz pequenininha, frágil e fraca:
- eu não tenho árvore...
Dessa vez eu não pude sair daquele espaço, pois estava totalmente envolvida, entretida com aquela pequena criança. Mas se pudesse, eu sumiria no mundo... fiquei sem fala! Peguei-a no colo e lhe dei um abraço.

Ali naquele momento, todos os problemas de minha vida perderam, por completo, o seu sentido. Perante a realidade sem expectativas daquela criaturinha, eu não encontrava justificativa alguma para as lamentações corriqueiras de minha vida; as quais costumo dar tanta importância, a ponto de me fazer perder o foco, o sono, a paz. Suspirei e continuei a fazer festinha com os pequenos, elogiando os presentes, ajudando-os a abrir os pacotes, com alegria e empolgação. Depois que o Papai Noel foi embora, sentei-me no chão, recostada na parede, junto às crianças e uma delas, a que mais me cativou sentou-se no meu colo... a menina quase não falava, tímida, mas me olhava como quem queria me falar algo que nem mesmo ela podia compreender. A menina me fitava os olhos, enxergava além da minha alma. Descortinando minha existência... ela me olhava profundamente, me encarava como se fosse uma pessoa adulta. Eu senti vergonha... senti vergonha de ser objeto daquele olhar. Ela parecia me dizer alguma coisa... me mostrar ou responder alguma pergunta que não tivesse resposta – até aquele momento. Foram uns dois minutos... olho no olho e ela continuava me enxergando através dos meus olhos. Ela não sorria, mas tinha um semblante angelical, penetrante.Eu fiquei ali, parada, imóvel, retribuindo o olhar, querendo entender, hipnotizada por aquele pedacinho de gente. Aqueles minutos pareciam uma eternidade; até que algum movimento tirou-lhe a atenção. Acho que por muito tempo ainda vou me recordar daquele olhar, aliás, certamente nunca poderei me esquecer daqueles instantes e tudo, exatamente tudo que aqueles minutos quiseram me dizer.
Eu levei uma boneca, com um cheirinho de bebê e chicletes que minha menina nunca vai esquecer, mas o maior e mais valioso presente, fui eu que ganhei. Voltei pra minha vida com muitas interrogações na cabeça, embora outras perguntas tenham sido respondidas ali mesmo, através de um sorriso, um olhar, um abraço... Eu saí tanto feliz quanto triste, porque já saí com saudades e deixei com aquelas crianças, um pedaço de mim... a única certeza que tenho, é que todas as noites, a partir desse encontro, minhas orações serão mais longas, muito mais longas...

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