
"Um homem tem de estar preparado para se queimar na sua própria chama:
como se pode renovar sem primeiro se transformar em cinzas?"
Nietzsche, Assim falava Zaratustra


Um homem inteligentíssimo, austero e refinado, que me ensinou muito a ser profissional. Sua sala era enorme, tinha um jogo de sofá verde e uma grande mesa de centro, com uma maquete de avião no centro. Uma parede com muitas, mas muitas fotografias, desde a época em que era militar na ativa, até outras daquela época. A mesa de trabalho dele era de madeira escura, imensa, tinha um telefone PABX, hoje bem antigo, uma janela grande de vidro, e um aparador abaixo da janela, percorrendo 2 paredes, cheios de livros.
Tinha também uma diminuta copa na sala do chefe, com um diminuto banheiro... O prédio era comprido, do lado da frente do edifício, ficavam a parte financeira, RH e administrativa. A parte de trás, eu, o diretor presidente e o coronel Cleber. Minha amiga até hoje, Daniela, trabalhava ali também... Eu lembrei de muitas coisas... muitos acontecimentos. Minha primeira separação, a morte de Renato Russo, onde eu chorei enquanto trabalhava, e ouvia baixinho, a notícia... meus estudos, minha mudança de casa, partes de minha vida, minha juventude. São caixas e caixas de lembranças, tão vivas em minha memória. Sobre o edifício, antes da livraria do térreo, tinha uma padaria, e subia um cheirinho de pão... o porteiro Cornélio, sempre sorridente, entregava as cartas e o jornal do meu chefe. O Cornélio foi embora junto com o edifício... assim como parte do que eu vivi ali. Agora, só na lembrança... De vez em quando, quando eu passava pela Av. 13 de maio, eu passava por lá, dava um oi... Ainda quando a empresa funcionava lá, passei uma vez para visitar meus ex-colegas de trabalho... quando a porta do elevador se abriu, eu falei: que bonito, trocaram o elevador. Mas o Cornélio se apressou em dizer: trocaram, não... fizeram uma "maquiagem" no elevador. As paredes e o chão foram reformadas, mas as engrenagens, não! Um fato relevante para contar, foi que meu diretor, havia sofrido um acidente no elevador, antes deste ter sido "maquiado". Meu chefe entrou no 15 andar para descer e o elevador teve uma pane, e resvalou alguns andares. Somente meu chefe se machucou, outras pessoas, que estavam no elevador, só levaram o susto... mas meu chefe sofreu com a queda. Ou seja, aquele prédio era estranho... muito antigo e desde aquela época, não tinha manutenção... mas nada que pudesse por em risco o edifício inteiro... Não consigo imaginar... e mesmo vendo, não dá pra acreditar que tudo desmoronou... É difícil entender como uma coisa dessas aconteceu. Eu sei, que depois desse episódio, houve uma comunicação intensa, porém silenciosa, entre todos meus amigos, nós, que trabalhamos juntos ali, e que depois de tantos anos, ainda mantemos contato... um foi ligando pro outro, e lamentamos muito o ocorrido. Creio que não foi apenas eu, que tive essa avalanche de sentimentos. Foi uma tragédia, e só de pensar que poderia ter sido muito pior, caso acontecesse algumas horas atrás, arrepia minha alma. É complicado demais explicar todo o sentimento que envolve um evento desses. Eu sinto muito pela perda das famílias e também pelas pessoas que tinham seu trabalho, sua vida enterrada naqueles prédios. O Rio de Janeiro está de luto. E que pelo menos, tudo isso sirva para que pessoas pensem antes de começar uma obra em suas propriedades... Uma vida humana, não tem preço! E comigo, ficam as lembranças dos anos em que trabalhei ali. Fiquem com Deus!





A vida nos move, nos ensina... já nascemos com ela querendo nos ensinar; desde que aprendemos engatinhar, a cada tombo, a cada esquina, passamos por experiências que nos mostram por evidências, aquilo que não podemos modificar. A vida é assim, ela simplesmente acontece! Limpa, inexorável, absoluta... com uma capacidade absurda, de dar e tirar, de fazer e acontecer, de nos surpreender e maltratar. Não é nem par, nem ímpar... nem melhor ou pior do que você merece. Ela por si só, domina, mostra, vence... e sempre se renova...