Apesar de baixo, ela pôde sentir o som grave e seco de uma lágrima caída no linho que cobria um travesseiro... Ela perdera seu amor. Não um amor somente, mas perdera aquele que a acompanhara por praticamente 30 anos. Aquele que independentemente da companhia que ela tinha, estava sempre perto dela. Eles nunca viveram juntos, nunca acordavam em uma mesma cama... cada um tinha sua vida, mas um sempre fora do outro. Assim havia sido por anos e anos... e naquela segunda-feira cinza, um amigo em comum lhe dera a notícia que acabara de ouvir. Ele não estava mais aqui. Ele partira, partira pra sempre, à um lugar sem destino, onde ela talvez jamais pudesse reencontrá-lo. Falltou-lhe ar em seus pulmões, faltou-lhe ar no cérebro, faltou-lhe ar em sua alma. Num segundo ela relembrou cada momento compartilhado de carinho e cumplicidade... cada vez que se desentenderam, cada vez que se amaram, cada vez que um ajudara ao outro. Eles se pertenceram. Eles escreviam suas histórias paralelamente no decorrer dos meses, dos anos... e juntos rabiscavam com o mesmo lápis a história de amor que somente eles e alguns poucos sabiam. Um era o suporte do outro. Eram amigos, amantes, cúmplices, companheiros e muito mais que uma palavra pudesse representar. Ali naquele momento, ela era uma mulher sem sua metade, ela se sentiu o ser humano mais solitário da terra. Ninguém poderia ocupar o lugar daquele que sabia sempre o que ela estava pensando... Sempre lhe fazia surpresas, sempre esteve por perto, sempre lhe esticava o braço amigo que a amparava em todos os sentidos da vida. Ela deixou que lágrimas lhe escorressem pelo pescoço, e molhassem o peito que dali por diante, se tornaria deserto sem a presença dele. Ela não pôde dizer adeus, não pôde acompanhá-lo em seus últimos momentos, não pôde ver o azul de seus olhos se despedirem da vida que ele tanto amava viver. Ela vestiu seu casaco pesado da poeira do tempo e saiu em busca de uma última lembrança... A chuva fina deixava em seus cabelos grisalhos uma leve camada orvalhada de saudade... ela chegou onde ele estava... e o amigo que lhe telefonara, a aguardava com um envelope em mãos. Ela encostou-se no sepulcro, e apoiou a carta na campa. Ainda faltava-lhe o ar... e hoje mesmo, ela disse-me que lhe faltava tudo que ele fôra para ela, inclusive o ar que ela necessitava para continuar viver... ela convive apenas com o oxigênio suficiente para respirar - não para viver. Ela leu aquelas letras miúdas, tremidas no papel da carta com uma loucura contida, bem devagar, como se as palavras primeiramente lidas, tivessem o poder de remetê-la ao seu amor... Ela beijou a carta. E molhou com lágrimas o papel que semanas antes esteve nas mãos dele. Ela se abraçou e rezou baixinho... Guardou a carta dentro da blusa, junto a seu peito... observou a campa, as árvores, as nuvens cinza-chumbo que espantavam o céu azul naquele dia... e antes de partir, falou para si mesma, que para ela, ele não se fôra... agora, mais que nunca, ele estaria quentinho, em seu coração.
Eu conheci essa senhora, eu li a carta que ele deixara pra ela... e eu também chorei porque tenho um amor assim.
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