terça-feira, 4 de maio de 2010

Ídolo, música e lembranças


Minha vida é uma trilha sonora sem fim. Para mim, a música marca uma época, um amor, um lugar e acontecimentos que ficam marcados na alma e na memória. Uma música pode trazer à mim, uma lembrança, um cheiro, um colorido de paisagem de sonho. E amo todos os gêneros de música, desde que tenham a melodia certa para tocar meu coração em um determinado momento. No tempo que eu vivi na Espanha, aprendi a saborear os sons das castanholas, as bulerías, mas principalmente, tive um encontro de amor perfeito com a Música Popular Brasileira... Ah, sim... quando moramos fora do Brasil, aprendemos a dar valor a tudo que diz respeito ao nosso país. Consegui descobrir dentro de mim um patriotismo que nem sabia que existia... Quando estamos sozinhos morando no outro lado da praia, bem longe, e distante da família e dos amigos, cresce, em progressão geométrica um saudosismo sem tamanho, e é natural querer estar perto de tudo que está longe... E foi assim que terminou minha paixão pelas corridas de Fórmula 1. Era de manhãzinha na Espanha e apesar da primavera, ainda estava muito frio aquele dia. Me sentia em casa (no Brasil) quando tinha por perto música, revistas, ou as cartas diárias que recebia do Brasil... Na sala, meus colegas de apartamento viam a corrida em Ímola, Itália... Era 1º de maio de 1994. Aquele barulhinho peculiar dos motores, domingo de manhã, me levava de volta à casa dos meus tios, que sempre, impreterívelmente, assistiam as corridas. De repente, gritaram: o Senna bateu!!! Corri pra sala para ver a tv, fiquei imóvel, sentindo a respiração na garganta; pensando nesse personagem ídolo do meu país, pensei no meu tio, nos meus primos e no que estariam pensando naquele exato momento... Sentei e acompanhei as imagens, as notícias, e chorei quando anunciaram sua morte... Aí veio aquela musiquinha... O Tema da Vitória que já era e se tornou de vez a música oficial do Ayrton Senna, sempre no final das corridas, segurando nossa bandeira... Pra mim, aquela música inconfundível é Senna, somente Senna, e me traz todas as lembranças daquela época, e de antes, e ainda de agora, pois hoje, quando a ouço, me remeto automaticamente a dor e a saudade, que eu trazia no peito na época que morei na Espanha, da saudade do Brasil, e hoje, a saudade da saudade que eu tinha dentro de mim. Eu lembro como estava vestida, lembro do cheiro do chocolate quente vindo da cozinha e dos pés frios, andando de meias coloridas, no chão. Lembro do percurso das lágrimas até o queixo, lembro da angústia que senti, querendo telefonar e falar com meus amigos. Ainda não havia as facilidades tecnológicas de hoje. Era só telefone e carta. Ao sair às ruas, vi muita gente chorando. Vi pessoas que conhecia há muito, mas nem sabia que eram brasileiros... Apesar da tristeza, a morte de Ayrton Senna me touxe mais amigos. Lembro de passar pela Plaza de Toros e encontrar uma pequena aglomeração de lenços e camisas verde e amarelas. De repente, fizemos uma roda e nos abraçamos, calados e rezamos todos juntos. Choramos a morte de um brasileiro que tanto encheu de orgulho nosso país. E no fundo, a trilha sonora era aquela. Não há como não lembrar, não há como fingir que eu não lembro. Mas depois desse infortúnio, minha vida na Espanha quase parecia minha vida no bairro onde nasci, era quase como viver no Rio. Saía de manhã distribuindo bom dia em português, aos comerciantes da cidade, aos amigos recém feitos, todos brasileiros, e mesmo os espanhóis, entraram na sintonia dos brasileiros que conheceram. É muito reconfortante conhecer as pessoas do seu bairro, saber quem é quem, chamar as pessoas pelo nome... parece que assim fazemos parte do mesmo grupo de uma forma mais homogênea. A Galícia se tornou Rio de Janeiro/Brasil... Até hoje tenho contato com o pessoal de lá; tanto os brasileiros, quanto os espanhóis. E toda essa amizade se deu por intermédio da morte de um ídolo. E por isso mesmo eu afirmo que esse personagem continua vivo, não só na memória, como no coração de muita gente. Se eu pensar em Ayrton Senna, eu lembro da Espanha, lembro da música, do cheiro do café da cafeteria da esquina de casa e por aí vai... A partir daí, vieram os churrascos, os batuques improvisados nas panelas que serviam de instrumentos nos encontros que fazíamos pra cantar e comer feijão preto, vindos pelo correio, via sedex, ou comprados por mim em Braga, Portugal, exclusivamente para esses encontros. Aliás, toda oportunidade que eu tinha, eu pegava a auto pista e seguia pra Portugal. Lembro que por duas vezes tive a sorte de encontrar goiabada em lata por lá... foi uma festa! Tudo era motivo pra comemoração... mas, quando se tem 20 anos, tudo é motivo pra fazer festa. Aprendi a tocar pandeiro lá! E hoje, quando bate uma saudade mais forte, vejo meus vídeos da orquestra, escuto músicas, entro nos sites de visita virtual, entro no msn, pra saber dos meus amigos e mais que tudo, agradeço a oportunidade de ter vivido em outro país, pela coragem de ter ficado por tanto tempo... Fui muito bem recebida e trago as melhores lembranças de minha juventude de lá. A única coisa que eu lembro com muito pesar é o acidente do Senna na curva Tamburello, em Ímola. Senna tinha 34 anos quando seu carro perdeu o controle, chocando-se violentamente contra o muro de concreto. Lembro de ter visto a cabeça dele se mexer e imaginei que ele pudesse estar bem, mas aquilo que vi foi devido a um espasmo cerebral. Um dia antes, o austríaco Roland Ratzenberger havia falecido na mesma pista. Além disso, houve um outro acidente com Barrichelo e outros dois competidores, que perderam seus pneus e feriram vários torcedores. Pra ser sincera, acho que pode ter havido distanásia por parte dos médicos socorristas... Ali, qualquer médico saberia que não havia nenhuma possibilidade de vida, devido à velocidade e complexidade do acidente. Parece que foi ontem. Minha memória ferve em detalhes e sensações. Senna foi sepultado com honras de Chefe de Estado, atitude merecida para um ídolo que fazia das manhãs de domingo um dia de vitória e música.... Eu nunca mais assisti uma corrida. Pra mim, perdeu a graça!

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