segunda-feira, 21 de maio de 2018

A maior viagem que fiz foi mesmo para dentro de mim



Virei mundos atrás de um fôlego de vida, mas a maior viagem que fiz foi mesmo para dentro de mim. Andando por ruas desertas encontrei imagens que o tempo apagou, todas estampadas em letreiros desbotados, sucatas da alma, fantasmas moribundos, já não assombram mais, morreram de tristeza e desgosto.

Eu já fui um e já fui muitos. Fui pedaço, partido, perdido, fui inteiro, certeiro e conciso. Andei em voltas, fiz revoltas, espalhei pedras e grafei palavras. Se soubesse pintar e tivesse um pincel de pintor, eu faria quadros e retratos, deixaria marcas em paredes lisas e pálidas. Mas como se diz: meu ofício é outro.

A sabedoria do silêncio não compensa a angústia da solidão, pois quem observa estrelas jamais construirá calçadas. Na régua da vida, uma noite não é nada: nem um traço, nem um paço, apenas espaço. E foi por muita insônia que descobri que há homens que nascem prontos, já outros, precisam fazer-se, camada a camada, sobreposições cuidadosamente esculpidas no tecido dos dias.

A rima do poeta é mimética, suave, mas o texto do cronista é angústia. Nada é pior do que falar e não dizer, juntar palavras, mas não expressar. Flexionar o verbo é fácil, usa-se a regra como álibi. Difícil é imprimir-lhe significados, resgatar os sentidos que rasgaram a carne no êxtase do instante.

O drama do tempo é ter memória, pois recordar é sofrer duas vezes o mesmo mal. Se não me faço entender é porque, ou você andou pouco, ou dormiu demais. No fundo, o que me aflige, são os modelos prontos, pois percebi que o cemitério da mente está nas prateleiras das lojas. Pegue, pague, peque, tudo é rotina, tudo é rapina, devaneio e desprazer.

Se eu pudesse, ao invés de andar para frente, andaria para trás. No futuro, posso fazer ainda mais tolices do que fiz até agora. Voltando ao passado, todavia, talvez fosse capaz de concertar erros que ficaram gravados na imensa lousa de bronze. Mas o relógio, como se sabe, é obtuso em seu trabalho, nunca se cansa, nem reclama, segue devorando tudo, até mesmo o tempo.

Se eu juntasse as peças, talvez, a figura do esboço ficasse mais clara. Mas há pedaços em todos os cantos, até embaixo do sofá! Por isso é melhor ir no improviso, tateando entre ruas desertas e becos sem saída. No final, se não for como desejava, não devo ficar chateado. Como imaginava, quem foi que disse que havia alguma garantia? 

Texto de Carlos Moreira


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