terça-feira, 23 de maio de 2017

Bandeira, mamãe, bandeira - Walter Sieczko dos Santos

"Bandeira, mamãe, bandeira!!!"

Ano de 1977 ou 1978, nossos pais ainda eram casados. Eu e você, Waltinho, tínhamos 6 e 4 anos, respectivamente. Morávamos em um conjunto residencial na Rua Engenheiro Gama Lobo, 548, em Vila Isabel, zona norte do Rio. Toda semana, nossa mãe ia com seu fusquinha 64 à feira, para comprar as frutas e verduras da semana. O condomínio ficava acima do nível da rua, na entrada tem uma leve ladeira (foto acima). No dia em questão, mamãe tentou sair com o fusca, mas a bateria do singelo automóvel tinha "arriado". Então, as vizinhas e a meninada que estava presente por ali no condomínio, empurraram o "fuka" para que o mesmo pegasse no "tranco"... ali, na beirinha da ladeira, seria fácil, fácil do carro "pegar". Desta feita, mamãe engatou a 2ª marcha e meteu o pé no acelerador! Beleza, além da explosão do motor pegando no "tranco", nossa mãe ouviu as vizinhas gritando: "pára", "páááára" e olhando pelo retrovisor, parou já na metade da ladeira... carro, ok, ficou olhando, sem imaginar o porquê de tanto "pára". 

Enfim, irmãozinho, ao sair do fuka, mamãe te viu agarrado no pára-choques do fusquinha, em estado de choque, foi difícil desgarrar as suas mãozinhas tão pequenas da barra de metal. No afã de colocar o carrinho pra funcionar, ninguém notou que meu irmãozinho também queria ajudar, junto com tantas outras crianças... Mas ao contrário das outras crianças (maiores) e das outras pessoas, você não soltou o pára-choques quando o carro "pegou". Muito bisonho, meu caçulinha! Meu bebê, meu irmãozinho lindo e para sempre amado! Graças a Deus não foi nada demais; se você tivesse soltado o carro com ele andando, talvez teria sido pior... Enfim, dedinhos dos pés ralados... então, você ficou no colo da mamãe. Ao voltar pra casa, mamãe te deu banho, colocou um remedinho nos dedinhos dos pés e você começou a falar:

-"Bandeira, mamãe, bandeira..."

Não tinha nenhuma bandeira na sala do apartamento... 
Você queria dizer : abana, mamãe, abanaOu seja, os dedinhos deviam estar ardendo, então mamãe colocou um ventilador para "bandeirar" os seus pezinhos. Acredito que por algum momento, o ventilador foi um eficaz abanador de dedinhos ralados... mas depois de alguns minutos, nossa mãe estava na cozinha e ouviu seus gritos e veio correndo ver o que tinha acontecido na sala: você deitado no sofá, esticou os pezinhos para que o ventilador "bandeirasse" melhor seus dedinhos... Putz, Waltinho, você sempre foi muito bisonho!!!! Enfiou os pés dentro do ventilador... não sei como não se machucou mais... embora tenha piorado um tantinho. Sempre comentamos essa história... em todas as conversas de família, sempre lembramos desse fato: "bandeira, mamãe, bandeira..." É sempre muito bom relembrar nossa infância, meu irmão. Eu gosto muito, me conforta ter essas recordações tão vivas no meu coração e nas minhas lembranças. Quando eu estava com você no hospital, eu vi que suas unhas dos pés estavam grandes. 


Eu aproveitei cada minuto que eu pude com você, meu irmão. Eu cuidei de você o tempo que eu tinha, com todo o meu amor e todo meu carinho, cortei suas unhas, dei banho em você, limpei suas orelhas, penteei seus cabelos, fiz massagens nos seus pés e vi então as marcas do ventilador da infância nos seus dedinhos. Você se lembra do pé no ventilador, Waltinho? Tirei fotos do seu pé, porque eu não queria perder nenhum detalhe de você, irmãozinho. Cada foto e cada minuto ao seu lado, para mim, são presentes que Deus me concedeu. Tudo bem, vai... eu deveria ter cortado suas unhas antes das fotos, você me diria. Mas repito, cada imagem, está muito bem guardada em álbuns, CD, nuvem, pen drive... porque eu não quero perder mais do que eu já perdi. Eu te amo muito, Waltinho. E agradeço a Deus pela oportunidade que tive de passar o máximo de tempo que eu pude com você. Cada segundo, cada oração, cada conversa, beijo e abraço ainda estão aqui, presentes no meu coração, na minha memória e nas fotos, vídeos e áudios que eu tenho com você.

Ver suas fotos, não me entristece mais do que já estou. Ao contrário, ver suas fotos, me lembram que eu estive ao seu lado, que eu te amo, que você é meu irmãozinho adorado, que eu sempre vou amar. Rezamos muito eu e você... às vezes tô chorando e tô rindo porque lembro de você me dizendo que eu havia me transformado numa "senhora carola". Que você nunca poderia imaginar que um dia, eu seria tão forte na fé. Mas quem teve uma fé inabalável foi você, Walter Sieczko dos Santos. Meu herói, Guibor de Deus. Quem dera eu fosse igual a você, que jamais questionou ou perdeu sua fé em Deus. Por essa razão, meu irmão, eu tenho certeza que você está nos braços de Jesus. Eu creio, Waltinho, que você agora não sofre mais, não sente mais a agonia do câncer comendo sua vida. Eu tenho a convicção que você está em um bom lugar. Embora eu quisesse muito mais que você estivesse vivo e com saúde, vivendo a sua vida, e envelhecendo me contando suas piadas, eu creio que Deus tem um porquê e um propósito na vida de cada um de nós.  

O que me resta, é seguir em profunda oração, sabendo que Deus não desampara os filhos seus. Recebe meu amor e meu carinho, Waltinho. Nós te amamos muito! Eu, sua irmã mais velha, seu irmão Victor, sua mãe e suas tias. É muito difícil conviver com essa perda. Ás vezes, fica impossível acreditar. É impossível não lembrar a todo momento de você, é impossível! Fico me perguntando quais serão as minhas memórias a partir de agora, sem você fazendo parte do meu presente e do meu futuro. Fica um vazio no meio do nada, parece que nada mais tem muito sentido. Só mesmo Deus para sustentar e preencher esse vácuo. Eu ainda não aprendi a viver com a sua ausência; penso que talvez demore uma vida inteira.

Te amo, meu irmão.

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