terça-feira, 22 de agosto de 2017

Cema, minha Iracema

Eu ainda deveria estar na barriga da minha mãe, enquanto ela já ajudava as pessoas ao seu redor. Foi uma mulher à frente de seu tempo. Sei que trabalhava fora, era independente e tinha um noivo militar, que morreu jovem, à serviço da Pátria, deixando-a uma noiva, virgem, e assim se manteve até o fim de sua jornada nesta vida. Iracema Magalhães da Cunha, a primeira pessoa "espírita" que eu conheci na vida. Lembro bem disso, porque a palavra "espírita" sempre me causou curiosidade, sem ter noção do que era o significado da palavra. Com o passar dos anos, às vezes essa palavra me causava medo, porque eu comparava à palavra "fantasma", o que  tinha um 
sentido deturpado sobre o que é o espiritismo. Cema sempre foi uma pessoa maravilhosa, sempre pronta a ajudar e com certeza, é um espírito de luz e amor. Há alguns anos eu venho pensando muito na Cema... sempre me recordo dela com muito carinho e imagino que desde o céu, ela está olhando por todos os que ela amava muito aqui nessa terra. Sempre que pensava em desencarne, idealizava a Iracema com aquele semblante sereno, calmo... com seus cabelos brancos penteados pra trás, os grandes brincos de pressão, em formato de pérola, e o vestido azul marinho com flores miúdas estampadas. Afigura-se para mim já com certa idade, mas com o mesmo vigor de uma pessoa jovem. Afinal, já a conheci nesta vida em idade madura... Mãe adotiva da amiga falecida Eliane e mãe do coração de tantas outras pessoas que ela dava morada em sua casa. Tinha também dona Laura, uma senhorinha que vivia com ela no mesmo apartamento da Rua do Lavradio, 106, apartamento 315. Iracema sempre foi uma pessoa caridosa. Saía de casa e descia e subia as escadas caracóis porque o elevador quase sempre estava com defeito... e ia no supermercado Casas da Banha, ali na Praça João Pessoa para comprar algum item para as senhorinhas que eram nossas vizinhas. Estava sempre pronta para ajudar. Trabalhava em casa como costureira, e fez os vestidos mais bonitos das minhas lembranças de infância. Ela era uma especialista em vestidos de noiva, e acho que ela não cobrava pela mão de obra... não tenho certeza, era muito pequena, mas sempre ouvi que ela não cobrava por costurar vestidos de noiva. Como eu disse, ela era noiva e nunca se casou... mas tinha um coração de mãe, uma bondade única e eu ficava encantada quando via as fotografias dos vestidos de noiva que ela costurava. Na sala da casa dela, tinha um poster enorme com minha fotografia quando eu tinha 1 ano. Depois que a Cema desencarnou, a irmã dela nos devolveu o antigo poster e ainda o tenho até hoje. Tinha uma grande mesa na sala, um móvel enorme no canto, e eu criança, ficava mexendo no telefone de disco dela, que era bem antigo. A casa tinha cheiro de fumo de rolo, que a dona Laura ficava mastigando. Lembro do sol entrando pela janela sem cortinas, uma pilha de livros, jornais e revistas de corte e costura. Lembro de ir para a casa dela, descalça pelos corredores de cera vermelha, até mesmo antes de andar, ia engatinhando... Alguma vez eu e Waltinho devemos ter ficado com ela para nossa mãe sair rapidamente. Lembro da Cema em todos os meus aniversários, sempre, ano após ano que eu vivi ali. Minha mãe conta uma história que um dia, eu deveria ter 3 ou 4 anos, e era meu aniversário... mas seria apenas um bolinho com ki-suco, nada demais... Porém, eu peguei meu velocípede amarelo, e fui de porta em porta dos apartamentos do 3º andar, subia no velocípede e tocava a campainha das portas vizinhas... todos no prédio da Lavradio me conheciam - meu pai nascera ali - e então eu fui convidando a todos os vizinhos, um a um... e dizia que naquele dia, era meu aniversário e que minha mãe faria um festa! No final da tarde, o povo ia chegando, a Cema com certeza, deve ter sido a primeira a chegar, com cheirinho de alfazema, brincos de pressão em formato de pérola, cordão igualmente de pérola, e com um de seus vestidos de cetim macio, de fundo escuro e com alguma estampa de florzinhas. E assim, desta forma tão pueril, eu fiquei alegre e satisfeita com meus convidados chegando e minha mãe já no desespero de fazer mais ki-suco de morango e servir as fatias do bolo caseiro. Tudo era excepcionalmente, uma festa... ninguém se importava com a celebração módica... para Cema e nossas vizinhas, era um evento e tanto participar da minha comemoração. Era uma oportunidade de colocar o assunto em dia e eu era muito mimada por todos. Assim eu cresci, amando a Cema, nossa vizinha, nossa amiga e com certeza, um Anjo da Guarda que tenho no céu. Em janeiro deste ano, quando minha mãe chegou ao hospital para ficar com o Waltinho e tirou da bolsa aquela oração, presente da Cema, com a sua letra linda escrita... ali eu tive a certeza que não estávamos sozinhas, que Deus reservou Anjos para que pudéssemos acreditar que a vida nunca acaba, que a morte é apenas uma passagem, um retorno para a vida verdadeira. Foi um grande conforto, ter aquele papel antigo, amarelado, com mais de 20 anos, plastificado com todo amor e carinho, para que continuasse sendo esse presente precioso de conforto e luz que ela nos deixou. Eu já tinha vontade de escrever sobre a Cema já há muito tempo... e relembrei isso em janeiro, enquanto estávamos no hospital cuidando do Waltinho. Então, eu acredito que Cema estava entre nossa família espiritual na passagem do meu irmãozinho. Esse sentimento conforta meu coração. Penso nos meus avós, penso em Nossa Senhora, que escolheu a hora sagrada dela, 18:00h, para recebê-lo e aconchegá-lo em seu manto azul de amor. Eu sinto essa paz, eu sinto esse amor. Eu tenho muita saudades do Waltinho, mas eu tenho fé que ele está bem e acarinhado pela Cema e tantos outros amigos e familiares.




E assim, desta mesma forma, eu sempre imagino que ela, como espírito de luz, que sempre ajudou seu semelhante, estará do outro lado da vida, sendo um dos rostos amigos que estarão lá, para me receber, quando chegar minha hora. Iracema deixou algumas outras coisas escritas para minha mãe, e além disso, deixou ensinamentos ímpares de como um ser humano deve ser e se comportar diante das vicissitudes da vida. 

Há muito tempo atrás, quando eu pensava na morte, a Iracema, minha Cema, vinha sempre à minha mente. Mesmo antes do Waltinho descobrir o câncer, anos atrás, quando eu imaginava como era ser passar para o lado de lá, a Cema vinha na minha cabeça. 

Eu agredeço muito à Cema. E peço que Jesus permita que ela me receba, junto com meu irmão e minha família espiritual no dia que eu não mais abrir os olhos nesta experiência de vida.  Sou grata pelo amor que a Cema sempre nos ofereceu, sem nunca pedir nada em troca. Te amo, Iracema. Você foi um personagem muito importante na minha infância e juventude. Presente em todos os meus aniversários, todos os meus dias, vizinha de porta, guardiã espiritual da minha vida.




Oração da manhã

Bom dia, Senhor!

No silêncio deste dia que amanhece,
Venho pedir-te a Paz, a Sabedoria, a Força.
Quero ver hoje o mundo com os olhos cheios de amor.
Ser paciente, compreensivo, manso e prudente.
Ver além das aparências teus filhos,
Como tu mesmo os vês,
E assim, não ver senão o bem em cada um.
Cerra meus ouvidos a toda calúnia.
Guarda minha língua de toda a maldade.
Que só de bênçãos se encha meu espírito.
Que eu seja tão bondoso e alegre,
Que todos quantos se achegarem a mim,
Sintam sua presença.
Reveste-me de tua beleza, Senhor,
E que , no decurso deste dia,
"Eu Te Revele a Todos."



Esta oração, nesta foto, está na cama do hospital onde se encontrava meu amado irmão Walter Sieczko dos Santos. E ali, fizemos essa oração e por muitas vezes, pedi o conforto espiritual para nós, naqueles momentos. Minha mãe  guarda essa oração com muito carinho, uma jóia preciosa, com valor inestimável.

Agradeço a Deus, pela oportunidade que tive, de estar junto com meu irmão e nossa mãe naqueles dias.

Agradeço a Jesus, e a Mãe Maria, agradeço à Cema e a todos os espíritos de luz que nos ampararam.

Eu creio que meu irmão esteja acolhido no amor supremo do Universo.

Obrigada, Iracema.

Andreia Sieczko

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