quarta-feira, 5 de julho de 2017

Mãe, se ela morrer posso ficar com a vitrolinha dela? Andreia & Waltinho - pra sempre irmãos



- Mãe, a Dedéia morreu? 
- Não, Waltinho, a Dedéia só foi tirar um cisto sebáceo.
- Mãe, se ela morrer, posso ficar com a vitrolinha dela?


Policlínica Geral do Rio de Janeiro, Av. Nilo Peçanha, 38 - Centro

Naquela época, provavelmente ano de 1979 ou 1980... não mais que isso. Nossos pais ainda eram casados, eu deveria ter uns 6 ou 7 anos e você, Waltinho, 4 ou 5 anos de idade. O prédio antigo - como é até hoje -  ainda tinham elevadores de madeira escura, com portas pantográficas, arquitetura quadrada, em estilo art deco. Aquele cheiro forte de éter nos corredores da grande clínica. Gente grande passando para lá e para cá, com jalecos compridos... eu lembro que era tempo frio. Eu lembro de acordar ainda de madrugada naquele dia, com fome pois deveria estar em jejum... lembro dos nossos casacos de veludo plush, o seu cor de abóbora e o meu azul piscina, com gola e punho em cotelê (adorava aqueles casaquinhos iguais, só diferentes na cor... lembro ainda deles!). Lembro de nossos pais nos levando para o carro e lembro do caminho, as luzes dos postes brilhando na janela do Corcel, nós dois deitadinhos no banco de trás... deveria ser umas 04:30 ou 05:00h da manhã... por aí... o longo caminho até a Policlínica Geral do Rio de Janeiro, setor de Oftalmologia. Eu estava com um cisto sebáceo no olho esquerdo. Não era nada grave, mas por ser criança, foi marcada uma cirurgia com anestesia, para a retirada do cisto. Desta feita, fomos alguma vezes na policlínica com nossos pais, até que fosse determinada a data da cirurgia. No dia agendado, chegamos por lá ainda bem cedinho, fizemos os procedimentos de internação e fomos para um quarto; lembro que era todo bege, grande, e já começava a bater claridade na janela. Nossa mãe trocou minha roupa, pela camisolona do hospital, dando lacinhos na parte de trás. Ficamos ali, nós 4. Eu, você, nosso pai e nossa mãe. Em dado momento, o anestesista entrou e deve ter me dado alguma coisa para dormir e não ver saída do quarto (e a entrada da sala de cirurgia e a despedida de uma jovem mãe já aos prantos), porque a filha ia fazer uma pequena cirurgia.


Então, eu dormi... Como eu era criança, me levaram no colo e não numa maca, a sala de cirurgia devia ser ali pertinho, no mesmo andar... e você, Waltinho, ainda mais criança que eu, observando aquele cenário novo, dos pais preocupados, a mãe chorando, a irmãzinha saindo "desfalecida" no colo do moço, todo vestido de branco, ficou olhando, olhando, olhando... e depois que eu saí do quarto, chegou perto da nossa mãe e perguntou, gaguejando como quando era criança :

- Mãããe, aaaa Dedéia momorreu? - perguntou o Waltinho
- Não, Waltinho, a Dedéia foi só tirar um cisto sebáceo do olho, já vai voltar...
- Mãããe, mããããe, se a Dedéia morrer, eu posso  fificar com a, com a vitrolinha dela?

kkkkkkkkkk deve ter sido muito engraçado essa cena... durante anos eu tenho escutado essa história repetidas vezes... Waltinho, era hilário... eu não deixava ele mexer na minha vitrolinha azul, Philips porque ele era muito criança e arranhava meus disquinhos compactos e Lp's. Aliás, ele adorava morder meus discos dos Menudos (depois conto essa!). Então quando ele viu minha mãe chorando e eu indo embora para o centro cirúrgico, pensou que eu tivesse morrido, e aí ele iria poder ficar com a minha vitrolinha!


Ahhhh, meu irmãozinho... Se eu pudesse escolher, eu trocaria minha vida pela tua. Eu te daria 100000000 vitrolinhas como aquela, eu faria qualquer coisa para nunca saber que meu irmãozinho foi embora desse mundo tão precocemente. Meu Deus... Somente o Senhor do Universo tem as respostas para as coisas que eu não entendo.


Eu sei que a história ainda não acabou... durante o tempo em que eu estava retirando o cisto sebáceo, Waltinho pegou no sono... ficou deitadinho na caminha de acompanhante, e ficaram ali os 3 esperando eu voltar.  Quando retornei, ainda sonolenta, o médico disse que já já eu iria acordar e que tinha sido tudo bem. Que eu estava com um protetor "tapa olho", mas que poderiam retirar. Nosso pai, que sempre foi um fanfarrão, tirou meu tapa olho e grudou no olho do Waltinho... kkkkkkkkkkk. Quando Waltinho acordou, sentou-se na caminha, olhando para os lados e sem nada entender, perguntou: o que aconteceu????

E meu pai disse, rindo, que quando ele dormiu o médico veio e operou o olho dele também... Claro que foi brincadeira, claro que não causou traumas em ninguém, mas deve ter sido uma cena muito engraçada. Essa foi a nossa memória de hoje, Walter Sieczko dos Santos. Essa foi a nossa viagem à melhor fase da vida de qualquer pessoa. Essa é a nossa história a ser revivida e relembrada. Com amor, carinho e uma boa dose de molecagem. 

Como eu sinto saudades, como eu revejo e revisito nossas histórias, meu irmão. Essa saudade bate forte no fundo do meu coração, mas eu não trocaria nada em nossas vidas. Eu AGRADEÇO A DEUS  pela a oportunidade de vivência e aprendizado contigo. Meu irmão, meu primeiro amigo, meu maior tesouro, minha melhor herança e sem dúvida nenhuma, a melhor parte de mim.

   Te amo, Waltinho.




Um comentário:

  1. Que bonito relato minha querida prima ... é muito dolorido superar uma perca tão próxima da gente...

    ResponderExcluir

Deixe aqui sua mensagem